por Jayme Vasconcellos*
A edição 2026 de Desafios de Inteligência, publicação da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), destaca que a reconfiguração das cadeias de suprimento globais tornou-se um dos temas mais decisivos para a segurança econômica do Brasil. O documento aponta fatores que transformaram profundamente a logística mundial — como a ascensão da China, a pandemia de Covid-19, o reposicionamento estratégico dos Estados Unidos e o uso crescente de instrumentos de “guerra econômica” entre grandes potências. Nesse cenário, o País enfrenta um “equilíbrio difícil”: precisa manter relações pragmáticas com todos os polos de poder enquanto protege setores críticos e amplia sua competitividade.
O movimento de ruptura das cadeias globais ganhou força após a pandemia, quando empresas e governos passaram a priorizar resiliência, diversificação e previsibilidade. A diretora-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Ngozi Okonjo-Iweala, tem reiterado que “a diversificação da produção e o fortalecimento das cadeias regionais são essenciais para reduzir vulnerabilidades e evitar choques futuros”. Já a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, afirmou – ainda em 2022 – que a estratégia norte-americana de friendshoring busca “construir redes de fornecimento entre países que compartilham valores e padrões confiáveis”. Ambas as avaliações ajudam a contextualizar por que o Brasil se encontra em um ponto privilegiado — mas também desafiador — da nova geopolítica econômica.

Para o Brasil, essa reconfiguração global abre oportunidades em áreas como agronegócio, energia, minerais estratégicos e manufaturas intensivas em recursos naturais. No entanto, o relatório da ABIN destaca que aproveitá-las depende de avanços internos: redução do custo logístico, ampliação da infraestrutura, segurança regulatória e vigilância constante sobre potenciais pressões externas, especialmente em cadeias de suprimentos sensíveis como semicondutores, fertilizantes, tecnologia e produtos farmacêuticos. O País também precisa reforçar capacidades de inteligência para monitorar riscos de coerção econômica e antecipar movimentos de potências rivais.
Especialistas em geoeconomia reforçam que o Brasil pode se beneficiar se adotar uma postura assertiva. A economista e pesquisadora Dani Rodrik, de Harvard, observa que as próximas décadas serão marcadas por “uma geopolítica das cadeias de valor”, na qual países com recursos naturais, energia limpa e estabilidade institucional terão vantagem. Já o analista de comércio internacional Kevin Gallagher, da Universidade de Boston, destaca que economias emergentes bem-posicionadas “podem se tornar fornecedores chave para novas cadeias regionais, desde que combinem política industrial inteligente e integração estratégica”.
O relatório da ABIN conclui que a inteligência estatal terá papel decisivo na construção de um posicionamento internacional coerente, ajudando o Brasil a navegar entre EUA, China e demais polos econômicos sem comprometer autonomia ou dependência excessiva. Se bem conduzido, esse processo pode transformar o atual “equilíbrio difícil” em uma vantagem estratégica duradoura, ampliando a inserção global do país e fortalecendo sua segurança econômica.
*Jornalista, radialista e técnico em Agronegócio. Especialista em Liderança e Desenvolvimento de Equipes, é editor-chefe do Agricultura e Negócios e autor de livros sobre liderança e criatividade.
