Reportagem Especial: Jayme Vasconcellos* e Joyce Pires**
Tudo começou com o açaí. Até 2006, Izete dos Santos Costa, a dona Nena, vendia frutos nativos nas feiras de Belém. Aos poucos, percebendo que podia ampliar sua linha de produtos, passou a fabricar chocolate artesanal na cozinha da própria casa, na ilha do Combu, no Pará.
Comprando o cacau de pequenos produtores locais, utilizava o liquidificador doméstico para moer as amêndoas. Com o aumento da demanda, sentiu que precisava ampliar o negócio.
Era 2015 quando o ex-professor universitário e administrador de empresas Mário de Carvalho entrou na história. Ele, que tinha experiência empresarial no ramo de embalagens (olha que feliz coincidência) foi procurado pela dona Nena para fornecer – adivinha só – embalagens para os chocolates dela.
Carvalho percebeu que poderia agregar valor ao chocolate da dona Nena, fornecendo uma verdadeira experiência de consumo para o cliente. “Vimos a possibilidade de usar a produção como gancho para um turismo sustentável capaz de mudar a vida do Combu”, diz ele.
Assim surgiu a Casa do Chocolate Filha do Combu. Com a formalização, veio o acesso ao crédito e a melhoria dos processos produtivos, com a implantação de uma pequena fábrica. A empresa ganhou uma identidade visual e ampliou o portfólio disponível (geleias e licores dividem espaço com o chocolate nas prateleiras da lojinha).
Visita guiada
A 15 minutos de barco da capital paraense, a ilha do Combu é famosa pelos restaurantes de comida típica e pelos igarapés onde é possível tomar banho de rio. Aproveitando o fluxo de visitantes, a Filha do Combu passou a oferecer uma visita guiada pela propriedade. É possível conhecer o processo de colheita, secagem e processamento artesanal do cacau. Ao final, uma degustação de chocolate e a visita à loja, onde pode-se comprar produtos especiais com altíssimo teor de cacau (até 100%).
Em 2023, o local recebeu 30 mil turistas. Por mês, são produzidos quase 300 quilos de chocolate e a receita mensal com a venda dos produtos chega a 125 mil reais (aproximadamente 1,5 milhão de reais / ano).
“O empreendimento da dona Nena mostra que não é preciso vender o produto apenas em sua forma primária. Essa associação entre turismo e a produção rural é a chave para que a gente possa ter, aqui na Amazônia, o desenvolvimento de forma equilibrada. As pessoas querem autenticidade, querem conhecer a história por trás dos produtos. Sabendo quem fez, como fez, a tendência é que acabem pagando um pouco mais pelo”, afirma Carvalho.
Expansão dos negócios
Uma cafeteria já está funcionando no local. Além de bolos, quitutes da culinária paraense devem estar disponíveis em breve. Outro objetivo é aumentar a linha de chocolates da casa, mesclando ao produto outros frutos típicos da Amazônia. Também devem ser lançados chocolates ao leite e adoçados com stevia. Tudo para aumentar as vendas e o faturamento em 50% até o fim de 2025, quando Belém sediará a COP 30, a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas.
Sumaúma
Recentemente os presidentes Lula e Macron, da França, visitaram o local. Fotos deles viralizaram e, agora, uma das paradas obrigatórias do passeio turístico é a enorme sumaúma que está no local há pelo menos 280 anos. A árvore tem quase 50 metros de altura e seu tronco tem mais de dois metros de diâmetro. Sua copa frondosa produz uma grande área sombreada, o que abranda o calor amazônico e permite o florescimento do cacau.
Números do cacau
Apesar de o cacau ser originário da região amazônica, o Brasil ocupa a sexta posição no ranking da produção mundial, atrás da Costa do Marfim, de Gana, do Equador, de Camarões e da Nigéria1. Por aqui, são cerca de 600 mil hectares cultivados e 75 mil produtores, sendo 60% da agricultura familiar. Nossa produção média é de 220 mil toneladas de amêndoas/ano2, mas, segundo o IBGE, o país produziu 273 mil toneladas em 20223.
Os estados do Pará e da Bahia são os principais produtores da amêndoa de cacau do Brasil, responsáveis por, aproximadamente, 96% de tudo o que é produzido em território nacional. Uma pequena parcela ainda vem do Espírito Santo, Rondônia, Amazonas e Mato Grosso, além de Roraima, Amapá, Ceará, Sergipe, Minas Gerais, São Paulo, estados cuja produção está em fase inicial, e Tocantins que apresenta uma recente expansão.
Em 2022, o Brasil exportou 36 mil toneladas de chocolate e 48 mil toneladas de derivados do cacau, gerando US$ 340 milhões de dólares4. A Argentina é o destino principal, seguida por Estados Unidos e Chile. Também nos destacamos no cenário mundial por reunir todos os elos da cadeia produtiva do cacau: produção, moagem e indústria chocolateira, além de sermos um dos maiores consumidores de chocolate do planeta: 3,6 kg/per capita em 2022 (na Estônia, primeira colocada nesse ranking, o consumo médio é de 8,5 kg/per capita)5.
*Jornalista, técnico em agronegócio e editor-chefe do Agricultura e Negócios.
**Jornalista e colaboradora do Agricultura e Negócios.
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1 e 2 Fonte: ICCO – Organização Internacional do Cacau (2020)
3 Fonte: IBGE (2022)
4 Fonte: Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços – MDIC (Comexstat)
5 Fonte: Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Amendoim e Balas (Abicab)

